quinta-feira, 28 de abril de 2016

Miguel Fontes. “É um erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata”

 

O diretor da Startup Lisboa diz que empreender não pode ser "uma realidade apenas para afortunados". É preciso mais capital semente e saber como atrair 'players' internacionais.  

 

Sucedeu a João Vasconcelos – atual Secretário de Estado da Indústria – na direção daquela que foi a primeira incubadora lisboeta para projetos inovadores, com pensamento global e modelos de negócio de crescimento rápido, a Startup Lisboa. Reconhecendo a “responsabilidade” que foi ficar com o legado de uma “força da Natureza”, Miguel Fontes conta ao Observador que o principal desafio dos empreendedores é a ausência de capital semente. “Podemos estar a desperdiçar boas ideias por falta de capital semente”, disse. E é por isso que é preciso atrair players internacionais, mas com os argumentos certos. “É um erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata”, afirmou.

Com 44 anos, antes de abraçar a liderança da Startup Lisboa, Miguel Fontes foi administrador executivo da AICEP – Portugal Global, entre 2010 e 2015, e Secretário de Estado da Juventude, no Governo de António Guterres, entre novembro de 1997 e abril de 2002. Ao Observador, disse que não vê problema em transformar o empreendedorismo uma moda, mas admite que é preciso não confundir conceitos. Sobre a ausência de capital semente, disse ainda que se o país não quiser “que o empreendedorismo seja uma realidade apenas para os afortunados desta vida”, que é preciso ter mais gente disposta a apoiar as fases iniciais dos projetos.

“Nós já cá estamos e estamos a jogar em casa”


António Costa disse, na inauguração do novo escritório da Uniplaces, que quer replicar o modelo da Startup Lisboa no Startup Portugal.
Ótimo.

E a Startup Lisboa, o que é que quer?
A Startup Lisboa quer crescer e consolidar este percurso que começou há quatro anos. E ser, cada vez mais, uma referência no ecossistema nacional, em matéria de incubação de empresas. Neste momento, estamos confrontados com um desafio muito estimulante: a enorme procura de startups internacionais, que querem ter em Lisboa o seu espaço de ancoragem, onde podem desenvolver os seus projetos. E isso fez despertar o interesse de outros players, outras incubadoras, que querem instalar-se em Lisboa um pouco à boleia de todos este movimento potenciado pela Web Summit (que é causa, mas também consequência de todo o trabalho já feito). Vamos estar num ambiente mais concorrencial do que aquele em que estivemos até agora, mas mais motivados também. E queremos continuar a ter algumas das melhores startups, até agora nacionais, mas também internacionais. Não queremos ficar numa espécie de projeto doméstico, mas termos as condições de acolhermos todas as startups que queiram vir para Lisboa, com qualidade.

A procura tem crescido quanto?
Não lhe consigo dizer em números, porque não tinha esse histórico. Mas sinto, claramente, que tem havido esse aumento de procura, não só de startups, mas de tudo o que está à volta: de espaços de cowork, novos projetos que se estão a desenvolver na cidade, novas incubadoras, maior atenção por parte do mundo financeiro, etc. O ecossistema está, no seu conjunto, a mexer. Até os próprios parceiros locais, que já cá estavam a desenvolver os seus projetos. Há toda uma dinâmica que sustenta essa informação, de que a procura é crescente. E é evidente que, quando há um aumento de procura, também há muita coisa que não tem a qualidade que, à partida, se espera. É preciso que todos nós tenhamos essa noção, para que, no fim da linha, haja um conjunto de startups que são capazes de se internacionalizar rapidamente, de dar cartas, de levantar investimentos significativos. É evidente que a base tem de ser muito alargada, porque há hoje mais gente (do que alguma vez houve) a equacionar, como trajetória de vida e profissional, ser empreendedor. E eu acho que é muito positivo.
 
"O objetivo é, precisamente, continuarmos a ser percecionados como 'os bons projetos vão para a Startup Lisboa'. Queremos continuar a ser assim"

Vão abrir vários espaços de incubação novos em 2016. Como é que a Startup Lisboa se pretende diferenciar?
Com a ideia de que Lisboa somos nós. [risos] Digo isto um pouco na brincadeira, mas também a sério. Há aqui um ativo que temos de saber projetar: nós já cá estamos e estamos a jogar em casa. Conhecemos bastante bem a realidade nacional e isso pode ser útil às startups – ao nível de contactos com entidades, mentores, parceiros. Estamos muito bem posicionados. Temos uma rede de parcerias e de mentores muito significativa e achamos que estamos em condições de oferecer um bom serviço às nossas startups.
Depois, queremo-nos diferenciar pela qualidade do serviço que prestamos. Queremos criar um ambiente marcado por eventos permanentes, regulares, quotidianos, que criem um ambiente de troca de experiências, aprendizagem, identificação, tendências. Enfim, tudo aquilo que, no fundo, são as dimensões importantes no trabalho de uma startup. Mas também queremos incubar os melhores projetos. O objetivo é, precisamente, continuarmos a ser percecionados como ‘os bons projetos vão para a Startup Lisboa’. Queremos continuar a ser assim. Sentimos que há essa procura e queremos apurar a nossa capacidade de seleção, com muito critério. E quem cá está também tem de sentir mais esse peso da responsabilidade. Se está na Startup Lisboa tem de sentir pressão para mostrar resultados.

E estão a pensar avançar com algum programa de aceleração?
Decidimos que não iríamos desenvolver programas de aceleração, em sentido estrito. Ou seja, estamos disponíveis (e estamos a trabalhar em várias possibilidades) para desenvolver alguns aceleradores verticais, mas através de solicitações concretas para setores. É muito importante fazê-lo por várias razões, mas a principal é que precisamos de trabalhar a sustentabilidade da Startup Lisboa, nomeadamente, a financeira. Há um campo importante, que é por o nosso know-how ao serviço da comunidade e desenvolver uma linha de prestação de serviços que, até agora, não foi a prioridade. Estamos disponíveis e interessados em fazê-lo, mas numa lógica de aceleradores verticais. Há outros espaços que já fazem os programas tradicionais – e fazem-no bem. Achamos que não é aí que devemos apostar.
"Estamos a trabalhar muito com a Secretaria de Estado do Turismo, para que estes dois pilares sejam muito fortes na ação da Startup Lisboa"
Quanto a novidade, o foco no comércio e turismo vai ser para muito importante num futuro próximo. Queremos criar condições no curto, médio e longo prazo para poder incubar projetos na área do comércio, que têm exigências diferentes. Se estivermos a falar de comércio que também tem uma presença offline, ou seja, os espaços para incubação não são indiferentes. Estamos a trabalhar nisso: em encontrar locais onde seja possível fazer alguma incubação de projetos que impliquem contacto de rua com o público. E também no turismo, porque é essencial para o país, não para de crescer, há muita gente a ter boas ideias para qualificar a nossa oferta turística, há muita coisa a acontecer e queremos ter uma presença. Estamos a trabalhar muito com a Secretaria de Estado do Turismo, para que estes dois pilares sejam muito fortes na ação da Startup Lisboa.

A Web Summit acontece em novembro, os media internacionais estão cada vez mais atentos ao que se passa por cá. Acha que a cidade está preparada?
Sem dúvida nenhuma. Lisboa tem um histórico de acolhimento de grandes eventos internacionais que não tem dois dias, tem vários anos. E isto inscreve-se num movimento que vem de trás, desde 1994, ano em que Lisboa foi Capital da Cultura, e de 1998, com a Expo. Temos uma excelente rede de transportes públicos, boas zonas de circulação, boa infraestrutura tecnológica, bons espaços. Se tivermos em conta que o processo de deslocalização da Web Summit para Lisboa foi um processo – como Paddy Cosgrave não se cansa de referir – muito criterioso, e que, no fim, elegeram Lisboa, então essa é a melhor prova de que estamos preparados. São eles a dizê-lo.

“Não podemos fazer isto na ingenuidade de acharmos que somos a última garrafa de água do deserto”

Numa entrevista, Paddy Cosgrave questionou se Lisboa teria pessoas suficientes para alimentar tanta criatividade. E esta também é um pouco a vossa preocupação: a de chamar talento internacional. Corre-se o risco de perder visão local?
Acho que não. Acho que a identidade é qualquer coisa que não é estática, que se redesenha, que se constrói a partir das interações do que fomos, do que somos e do contacto com outras realidades. Não sou muito adepto da ideia de que temos uma identidade a preservar, num sentido estático. Para mim, a identidade mais interessante é aquela que se constrói a partir do recriar dessa mesma identidade. Do que se vai refazendo desse tecido de relações. Acho que já vivemos essa tensão entre o local e o global noutras áreas e foi francamente positiva.
Sobre a questão do talento, Lisboa tem de ser capaz de se posicionar e acho que está a consegui-lo. E a Web Summit vai ajudar a consolidar esta ideia. Nós temos tudo. E gosto de sublinhar isto: temos uma cidade e um país – porque isto não se esgota na cidade de Lisboa – que é super amiga de quem cá vive. Não é uma cidade agressiva, é uma cidade onde é agradável viver. Com excelente qualidade de vida, excelente oferta cultural, com condições naturais absolutamente fantásticas. Não digo isto naquela ótica de promoção habitual do turismo de Sol e mar. Não é isso. É porque hoje, ao contrário do que acontecia no passado, os fundadores destas empresas dão muita importância ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional.
"Lisboa acaba por ser o resultado das políticas públicas dos últimos 20 anos, nomeadamente, na qualificação das pessoas, de gente muito boa"
É preciso saber que há aqui uma mudança de paradigma. Não estamos a falar apenas de captar investimentos, de alguém que está sentado num escritório em Nova Iorque a decidir uma expansão internacional. Para ele, é indiferente se vai lançar uma unidade industrial na China ou no Vietname, porque está a decidir apenas o investimento. E não a sua vida. Aqui, não: os fundadores estão a decidir o sítio onde vão viver. E, por isso, não é indiferente a cidade. Acho que isto nem sempre é suficientemente percebido.
Mas não é só por isto. É porque Lisboa (e o país) acaba por ser o resultado daquela da aposta das políticas públicas dos últimos 20 anos, nomeadamente, na qualificação das pessoas, de gente muito boa. E gente muito boa que não se esgota nas engenharias, mas em todas as áreas que são importantes no mundo das startups: na área da gestão, comercial, marketing, design, etc. E eu não gosto nada da expressão “vender o país”, acho que é um erro estratégico afirmar que temos mão-de-obra barata. E o passado é mais do que elucidativo de que esse não é o caminho.
Agora, temos muito bons recursos, muito bem qualificados, a valores muito competitivos. Se somarmos a isto o facto de sermos uma cidade muito interessante, com um custo de vida muito razoável… Porque, vamos ver: um empreendedor que trabalhou durante 10 anos numa grande consultora internacional, por exemplo, tem algumas economias e decide arriscar num projeto em que andou a pensar durante anos. Se o fizer em Paris, Londres ou Berlim, com o mesmo orçamento vive um ano em Lisboa e o orçamento que ele terá – acredito que não erro muito se disser que o rácio é se calhar de três meses para um ano em Lisboa e, se calhar, quatro meses numa cidade como Paris. Isso, só por si, posiciona Lisboa muito bem. É custos, é qualidade, é talento.

Esta ideia pode estar mais familiarizada na Europa, mas há um oceano por passar. Há pouco, utilizou a expressão “vender o país”, mas é um pouco isso. Os portugueses estão a saber vender o seu país além da Europa?
Acho que sim, mas temos de ser realistas e ter a noção de que não somos os únicos no mundo. Se nós nos mexemos, os outros também não estão parados. É evidente que não podemos fazer isto na ingenuidade de acharmos que somos a última garrafa de água do deserto. Há outras. Agora que, manifestamente, há condições em Lisboa, há. Estamos a saber fazê-lo? Acho que sim. E a prova é tudo o que está a acontecer. Não é por obra e graça do espírito santo, como se costuma dizer, que tudo isto está a acontecer no país e, nomeadamente, em Lisboa. Se essa procura acontece, se há este reconhecimento internacional, é porque esse trabalho é feito e está a ser reconhecido.
Dito isto, é sempre possível fazer mais, fazer melhor. Por isso é que quando o presidente da Câmara Municipal de Lisboa diz que a Web Summit não se pode esgotar num excelente evento (ou Lisboa ficar apenas conhecida por ser uma cidade ótima, que sabe muito bem acolher e organizar eventos internacionais de dimensão), mas que deve ser, sobretudo, uma oportunidade para consolidar o posicionamento de Lisboa como cidade de referência no mundo do empreendedorismo, eu não podia estar mais de acordo. Acho que essa é a visão estratégica correta. E é assim que devemos olhar para a Web Summit: o evento não se esgota nos dias em que se realiza e é, sobretudo, o que permite alavancar.
"Espero que as incubadoras de empresas não se transformem no novo pavilhão gimnodesportivo das autarquias pelo país fora"

Mas Lisboa não é Portugal. O ecossistema está muito “lisboacêntrico”?
Acho que não. E a realidade desmente-nos isso todos os dias. Estou a falar de Lisboa, porque falo a partir da Startup Lisboa, mas aceitando o seu desafio, digo que não. O Porto tem excelentes coisas a acontecer, Braga está a fazer um excelente trabalho com a Startup Braga. Aveiro também, muito ligada à Universidade de Aveiro. Podia dar mais dois ou três exemplos, mas temos de ser honestos e rigorosos nestas coisas. Não é possível acreditar que vai haver, de repente, um ecossistema vibrante de empreendedorismo em cada cidade, em cada vila portuguesa. Porque isso era negar os seus ingredientes de partida.
Deixe-me dizer isto de forma mais clara e caricatural – espero que as incubadoras de empresas não se transformem no novo pavilhão gimnodesportivo das autarquias pelo país fora. Que todas as autarquias achem que vão ter uma incubadora de startups.  
Podem ter projetos de apoio ao desenvolvimento local, ao empreendedorismo local, à renovação do seu tecido comercial, empresarial, nada contra. Mas nesta lógica das startups, é evidente que não é possível. E isso tem a ver com o reconhecimento dos ingredientes deste processo, que não acontece por acaso.
É fundamental que aconteça em sítios que estão próximos de grandes centros de saber, onde haja um sistema sólido de conhecimento, de tecnologia, de transferência desse conhecimento e dessa tecnologia para o mundo empresarial, onde haja uma boa infraestrutura tecnológica, Ou seja, um conjunto de requisitos que não são replicáveis assim tão facilmente. Isto é mesmo assim. Não temos de ter complexo em assumir esta situação. Mas também temos de ter noção que tudo o que acontece de bom para Lisboa, à escala do país, é relativamente fácil de propagar para fora. Não tem de existir essa ideia de que só serve Lisboa. Não, isto serve o país.

É importante que lançar uma startup não se torne uma moda?
Eu não tenho nada contra a moda.

Mas corre-se esse risco.
Corremos o risco de as pessoas já não saberem muito bem do que é que se está a falar. Acho que esse risco existe e digo isto sem ironia ou cinismo. Acho que todo e qualquer projeto a este nível é respeitável. Alguém que queira, na sua vila, pegar num antigo estabelecimento comercial, renová-lo, abrir uma loja mais interessante, com melhores produtos e melhores serviços, é excelente e deve ser valorizado. Mas agora não vamos dizer que é uma startup.
Acho que se os nomes servem para alguma coisa é para nos orientarmos e organizarmos e aqui convém sermos rigorosos. Desse ponto de vista, sem querer fazer uma grande discussão académica do que é isto de uma startup, acho que há alguns nomes em que todos estamos de acordo, como a ligação forte à inovação, o facto de ser um projeto pensado para se dirigir a uma escala que não é doméstica, mas global, e que está associado a modelos de negócio de fortíssimo e rápido crescimento, etc. Dito isto, não acho que devemos olhar com maus olhos para tudo o que é capacidade de gerar novas iniciativas, noutros âmbitos. Estas iniciativas são necessárias e muito bem-vindas. E tudo isso é empreendedorismo, não são é startups.
"[O léxico em inglês] também contribui para essa iliteracia, mas não vejo como um drama, acho normal. E é o tempo que se vai encarregar de ir alargando o universo das pessoas"

Acha que há alguma iliteracia? Todos estes conceitos são novos.
Normalíssimo.

As pessoas confundem-se?
Claramente. Toda esta realidade é muito nova. E isto anda tão depressa, cresceu tanto, que parece que andamos todos nisto há muitos anos. A Startup Lisboa tem quatro anos e é dos projetos mais antigos. Todas as empresas que estão a dar cartas são novas, têm quatro anos, cinco no máximo. Mas não é só em Portugal que é novo. Estamos a falar de uma realidade que tem, talvez, 10 anos no mundo. Estamos a falar de um léxico que é quase todo ele em inglês – até porque o ritmo é tão grande que não dá tempo de as línguas maternas encontrarem as expressões corretas para traduzirem esses conceitos. Como estamos a falar de um mundo cosmopolita, muito internacional, e também ninguém faz o esforço de encontrar as palavras equivalentes, na sua língua. E isso também contribui para essa iliteracia, mas não vejo como um drama, acho normal. E é o tempo que se vai encarregar de ir alargando o universo das pessoas. Acho que é muito importante valorizarmos sempre a língua portuguesa, mas acho que não tem nada de dramático.

Quando é que ouviu falar de startups pela primeira vez?
Pergunta bem… Deve ter sido precisamente na altura da fundação da Startup Lisboa.

Como é que está a ser suceder a João Vasconcelos?
O João é uma força da Natureza. Fez um trabalho que eu não me canso de elogiar, porque é absolutamente justo. E conseguiu em quatro anos afirmar a Startup Lisboa como uma referência no ecossistema nacional. Esse mérito deve ser-lhe creditado. O que é que isso significa? Significa que a responsabilidade é grande. Eu gosto de bons desafios e isto é um excelente desafio. A Startup Lisboa é ela própria uma startup e estamos com os mesmos desafios e dores de crescimento das startups. Temos de conseguir crescer e consolidar esta experiência, gerar alguns processos que ajudem essa consolidação, sem perdermos agilidade, criatividade, a capacidade de nos movermos muito rapidamente. São traços que devemos ser capazes de preservar na certeza, mas agora precisamos de consolidar esta experiência.

“Não há razão para euforias, porque isto não foi resultado de um acaso”

Num cenário perfeito como vê Lisboa?
Vejo uma cidade com mais gente, uma cidade com o seu património reabilitado, privado e público. Vejo uma cidade onde toda a gente pode usar os seus smartphones e tablets porque a internet é toda de livre acesso e há uma cobertura wi-fi por toda a cidade. Vejo uma cidade vibrante do ponto de vista económico, que é isso que faz as pessoas viverem cá. E acho que estamos a caminhar para isso.

Mas para que tudo isso aconteça também são precisas iniciativas publicas. E o ritmo a que o ecossistema cresce e se desenvolve é diferente daquele a que o Estado se desenvolve.
Mas isso é normal. O Estado é o Estado, a sociedade civil é a sociedade civil. E dentro da sociedade, isto é uma expressão do mais vibrante e inovador. De mais ágil e mais rápido. O contrário é que seria estranho: se conseguissem andar ao mesmo ritmo. Não vejo isso como um problema, acho expectável. O que o Estado tem de fazer (e está a fazer) é conseguir perceber qual é o seu papel: ajudar a que todos os atores têm condições para crescer. E isso está a ser feito em várias dimensões, por exemplo, quando se convida empreendedores para contribuírem para o processo da simplificação administrativa. Está a ser feito quando se cria uma estratégia nacional como a Startup Portugal, mas com um conjunto de eixos muito claros e que tentam responder às diferentes dimensões deste universo. Acho que o desafio está a ser bem abraçado.
Há um que eu acho muito importante: a questão financeira. É o lado que continuo a achar mais frágil. Ao dia de hoje, é um bocadinho incompreensível a quantidade de capital de risco, de business angels e é evidente que este é um problema geral do país, que está todo ele descapitalizado – [que falta]. Não somos propriamente conhecidos por sermos uma economia com um empresariado muito pojante e capitalizada, mas ainda assim, mesmo sabendo isso, esperaria que houvesse mais gente desperta para este mundo e com mais vontade de investir.
Um dos desafios que encontro é ao nível do capital semente. Encontrar investimento já não é um problema para quem ganhou alguma tração. Pode fazê-lo junto da Caixa Capital Portugal Ventures, Faber Ventures, entre outras. O problema está na fase anterior.  
Acho que podemos estar a desperdiçar bom talento, boas ideias e boas pessoas por ausência de capital semente, de dinheiro que permita alavancar.
Porque se toda a gente fala da necessidade de haver tração, a pergunta que fica é: mas até conseguir essa tração, quem é que suporta os custos? Se não quisermos que o empreendedorismo seja uma realidade apenas para os afortunados desta vida – aqueles que consigam, por razões familiares ou pessoais, ter esses meios – não temos forma de acolher essa gente. E isso é um desafio que o país deve estar sensível para perceber. Não é o Estado.
É importante haver mais capital semente, mais capacidade de apoiar. Com esta ideia subjacente de que o falhanço faz parte e não é uma contingência do sucesso, é parte essencial e constitutiva do processo de empreender. Só empreende falhando. Mesmo aqueles que hoje são bem-sucedidos têm a honestidade de reconhecer que não foi à primeira. O importante é conseguir aprender com os falhanços e criar uma cultura que não penaliza quem falha. Quem investe quer ser remunerado, mas quem investe também tem de perceber que quando investe pouco e investe bem a probabilidade de ter um prémio que à sua espera é muito grande.
"Acho que o Governo está ciente, sensível e a pensar nisso: que é preciso criar um quadro fiscal que, de alguma maneira, ajude a estimular esse investimento aqui" 

Concorda com Rohan Silva, que disse que é preciso criar incentivos fiscais para os pequenos investidores? Resolvia-se desta forma?
Sem dúvida que ajudaria ter um sistema fiscal. Acho que o Governo está ciente, sensível e a pensar nisso: que é preciso criar um quadro fiscal que, de alguma maneira, ajude a estimular esse investimento aqui. A política fiscal serve para os países e os Estados sinalizarem as suas apostas e quando discriminam positivamente alguma coisa é porque entendem que há um racional de política pública que faz sentido. Ora, se toda a gente diz que isto é muito importante porque cria emprego, revitaliza o nosso tecido económico, permite internacionalizar mais depressa, permite crescer no domínio da inovação, acelerar processos de transferência de tecnologia e conhecimento para o mundo empresarial, aproximar o mundo mais moderno e inovador dos setores mais tradicionais da economia… Se tudo isto é verdade, então o fim da linha é o Estado conseguir criar todas as condições para que o sistema se desenvolva. E aí a política fiscal é obviamente importante.

E se tudo isto falhar?
Falhou. E não vai falhar. Porque, pelo meio, já há coisas que foram suficientemente bem-sucedidas para não haver retorno. Se tudo isto falhar, houve muita gente que não falhou, que cresceu, aprendeu, ganhou competências profissionais. Não consigo imaginar o que é esse cenário do falhanço coletivo, porque isto não tem um princípio e um fio. Tem um principio e um durante permanente. E é nesse durante que está a riqueza disto. É no processo. E, no processo, há gente que ganhou imensas competências, que conviveu com o que de mais dinâmico se faz no mundo da inovação, da ciência, da tecnologia. Admito um cenário em que podemos todos ficar com um sabor amargo face às expectativas que poderíamos ter. E, aí, não entremos, mais uma vez, naquela nossa característica de sermos bipolares. De passarmos da euforia à depressão com uma facilidade terrível.
Não há razão para andarmos eufóricos, porque isto não foi resultado de um acaso, foi resultado de trabalho. E quando se trabalha, não há razões para não se acreditar que não se fez as coisas bem, que os resultados não vão aparecer. É assim que vejo isto. Não foi um acaso e, se não foi um acaso, não há que temer. Não vale a pena ter euforia nem depressão. Vale a pena trabalharmos todos para a sustentabilidade, que é o desafio atual do ecossistema: sermos sustentáveis. E isso não significa que todos os projetos vão ser bem-sucedidos, que todos vão criar e encontrar em Portugal uma empresa igual às que fazem parte das marcas internacionais. Mas isso não significa falhanço, significa que estamos no bom caminho.

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