Em Óbidos fervilha o empreendedorismo
Na vila medieval há um espaço colaborativo para empreendedores, que, além de trabalharem juntos, partilham ideias e permutam ajuda para lançar negócios e projeto.
Trabalhar em grupo num único espaço, em
que há tertúlias para fazer nascer e dar corpo a novos negócios? A ideia
está a ser posta em prática, há cerca de dois anos, em Óbidos.
As
raízes de Pedro Reis, 38 anos, o impulsionador e elemento agregador do
projeto, à Região Oeste ditaram o 'acaso' de o Colab ter arrancado ali.
Podia muito bem ter sido na Finlândia. Mas a "sorte", como refere Pedro
Reis, ditou que o início deste espaço de partilha e de negócio fosse em
Portugal, mais precisamente na vila medieval deÓbidos, paredes meias com
as muralhas, num edifício cedido pela autarquia local.
O
conceito de espaços colaborativos, onde diferentes profissionais
trabalham em grupo e se entreajudam, já não é totalmente estranho em
Portugal (há várias experiências espalhadas pelo país). Em Óbidos, o
projeto Colab reúne 15 colaboradores residentes e conta com a ajuda de
dezenas de elementos externos. Ao todo, em dois anos, "temos mais de 50
projetos e centenas de pessoas que encontraram no Colab uma forma de
tornar as suas ideias realidade", diz Pedro Reis.
Mas
o que se faz afinal no Colab e porque é que é diferente? "É um sistema
que promove a partilha de processos, incentiva a propriedade coletiva de
ideias e cria as condições para as pessoas aprenderem umas com as
outras", explica Pedro Reis. "O objetivo é criar o ambiente certo para
tornar ideias em realidade através do poder da colaboração. Estamos a
meio caminho entre o co-work e a incubadora."
A
ideia do projeto deu-se numa geografia longínqua, a Finlândia. Pedro
Reis viveu no país, onde, aliás, conheceu a sua mulher, e aí fundou, com
outras pessoas, um grupo de investigação chamado Silo, que se debruçava
sobre as questões do futuro do trabalho.
Desse
grupo surge o projeto-piloto Colab, em Óbidos, com o apoio do
município, que lhes cedeu as instalações, um edifício que foi
requalificado com apoios comunitários (através do QREN), numa obra que
custou 300 mil euros. A este prédio, onde fica a sala ampla onde os
colaboradores residentes trabalham em open space, soma-se uma
constelação de outros edifícios, onde estão alojados negócios de
empreendedores do Colab, denominado Espaço Ó.
A
proposta de alojar o projeto naquele edifício camarário foi feita ao
anterior executivo autárquico, então liderado por Telmo Faria. A reunião
que deveria ter demorado 30 minutos estendeu-se por quatro horas. No
fim, venceu a proposta que os fundadores do Colab levavam: "Um projeto
que permitisse à comunidade explorar aquele espaço."
Dois
anos depois, o balanço é positivo. "Criámos o projeto-piloto em Óbidos,
com o apoio do município, onde testámos o conceito com a comunidade
local. Agora temos mais de 50 projetos, de centenas de pessoas, que
encontraram no Colab uma forma de tornar as suas ideias realidade."
Ali
coexistem artesãos, arquitetos, designers (o caso de Pedro Reis, que
tem formação na área do desporto mas foi como designer, autodidata, que
trabalhou quase sempre), escritores, agricultores, fotógrafos, artistas
plásticos, uma 'hoteleira', entre membros residentes e os empreendedores
que participam, sobretudo, nas reuniões semanais, que, além de
promoverem brainstormings, servem para fazer o ponto de situação dos
projetos que estão em andamento. Ao todo, estão ligadas ao Colab à volta
de duas centenas de pessoas, adianta Pedro Reis.
No
Espaço Ó há uma livraria/café, uma padaria com forno a lenha, um ateliê
de artes plásticas e uma loja com vários produtos dos 'empresários' do
Colab, como um kit para construir um candeeiro, que beneficiou da ajuda
do grupo com uma nova imagem e marca, ou as rendas de bilros
transformadas em acessórios de moda, como brincos e pulseiras, feitos
pelas mãos de uma artesã com 79 anos. Há quem opte por 'residir' no
espaço do Colab, em regime de partilha de espaço, e para isso paga 70
euros por mês, com direito a ocupar uma qualquer área de trabalho de que
necessite para desenvolver os seus projetos, acesso à Internet e chave
do edifício para fazer os horários que entender. Ser membro do Espaço Ó
esporádico custa 10 euros mensais. E há, por exemplo, artesãos que só
trabalham a troco de tarefas ou de produtos, ou seja, não há dinheiro
envolvido nas transações, informa Pedro Reis. Além desta contribuição,
os negócios instalados no Espaço Ó pagam também uma percentagem das suas
vendas, de forma a colmatar as despesas e a ser possível continuar a
investir nestas instalações.
A
incubadora de empreendedores já gerou negócios que correm agora com vida
própria e total independência do Colab, como é o caso dos bolos Capinha
de Óbidos, que fizeram renascer uma receita com 130 anos, ou do Gelado
da Terra, cujo negócio, sobretudo ao nível do marketing, beneficiou
muito da experiência e ajuda colaborativa dos membros do Colab.
Um
dos negócios mais recentes está a ser desenvolvido na casa do forno. O
cheiro a pão fresco, feito com a ajuda e perícia de D. Regina, é o
cartão-de-visita do JamonJamon, uma casa de tapas que nasceu da vontade
de um jovem casal, o português André, 25 anos, e a espanhola Sol, 26
anos. Não têm mãos a medir, mas o trabalho não os assusta. Sol adora
meter as mãos na massa e a D. Regina assevera que falta pouco para
deixar a aprendiz por conta própria. André estu dou Gestão Hoteleira e
Sol fez Marketing e Publicidade. Conheceram-se em Leiria, por causa do
programa de intercâmbio de estudantes Erasmus, que trouxe a espanhola
até Portugal. Estavam sem dinheiro e a perder a esperança quando surgiu a
oportunidade de se instalarem no Espaço Ó e lançarem o negócio próprio
com que sonhavam. "Está a correr bem", diz Sol, apesar das muitas horas
diárias de trabalho contínuo.
Já
Helena Paulo, 52 anos, ganhou não só um novo negócio como outra
esperança. A florista explorava uma residencial, junto à loja de flores,
e o negócio do alojamento estava a decair. Com dois filhos, sentia-se
sem saídas. O Colab ajudou-a a transformar o negócio num renovado
hostel, onde, com um investimento muito reduzido, deu a volta aos
quartos, que ganharam beliches e cores claras.
Até o filho mais novo,
que não se interessava pelo negócio, está lá a ajudá-la no Hostel Casa
do Arco. Revê-se no conceito e no tipo de clientes, sobretudo
estrangeiros e jovens como ele, comenta a mãe. O anúncio e recomendações
no TripAdvisor já lhe trouxe hóspedes de diferentes geografias, como
Alemanha, Inglaterra e até Japão.
Reuniões semanais
André, Sol e Helena são três dos membros que participam nas reuniões
semanais do Colab. O ambiente informal domina estes momentos de
partilha. O objetivo é não só tomar o pulso aos projetos que estão em
desenvolvimento como lançar novas ideias. E arranjar soluções, entre
todos, para melhorar cada um dos negócios. Há vários grupos que se
juntam para diferentes projetos, com elementos que se desdobram para dar
resposta a várias solicitações. Os membros do Colab não recebem
salário, esclarece Pedro Reis: "Pretendemos que nunca o haja, em vez
disso pagamos em tarefas (horas despendidas), de forma a manter o
espírito de participação e uma estrutura mais simples." Porém, Pedro
admite que isso possa ter de mudar. "Durante a fase inicial, no primeiro
ano, utilizei o Colab para participar em projetos com os quais lucrava e
pagava as contas. Com o crescimento do Colab, já não tenho tempo para
trabalhar em projetos extra, que me permitam retirar rendimento, e por
essa razão estamos numa fase de desenvolvimento, para conseguir
trabalhar a tempo inteiro para o Colab e ser pago por essas tarefas",
adianta. Pedro é casado com a finlandesa Riikka (que também tem projetos
no Colab) e têm quatro filhos pequenos, cuja educação é assegurada
pelos pais (em home schooling, ou escola em casa, que é permitido em
Portugal) e que os acompanham nas tarefas diárias no Colab.
Inês
Fouto, 35 anos, é outra das empreendedoras que faz parte da equipa do
Colab. Licenciada em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema de
Lisboa, fez também Engenharia do Ambiente na Universidade Nova.
Desenvolveu um kit portátil de teatro que permite encenar uma peça em
qualquer lado. A Mala de Cenas, como o nome indica, consiste numa mala
com vários acessórios, como fantoches, livros ou figuras de sombra.
No
Colab conseguiu recursos financeiros e teve a ajuda de vários artistas
para desenvolver o produto, desde a pintura à cerâmica, aos figurinos,
escrita do guião de teatro para fantoches, design gráfico e marca do
produto. "Sem estes recursos levaria muito mais tempo para conceber a
Mala de Cenas e teria de ter dinheiro para o fazer", refere Inês,
acrescentando que "esta promoção do encontro entre pessoas é muito
importante, pois, por vezes, sozinhos torna-se mais difícil desenvolver
projetos, quer em termos de motivação, quer em termos práticos de
financiamento e de sustentabilidade". A Mala de Cenas está à venda na
loja do Espaço Ó e a atriz e empreendedora também apostou na venda
online de todos os produtos da Cenas Teatro e Companhia.
O
artesão Marco Machado, 44 anos, é outro empreendedor que foi ajudado
pelo Colab. Fez formação profissional de corte manual e industrial de
calçado e herdou do pai e avô o gosto pela arte de sapateiro. Ficou
desempregado em 2013 e decidiu fazer sapatos artesanais e ecológicos. Em
Óbidos aconselham-no a mudar o nome do projeto o que não foi "muito
pacífico", recorda, de 'estreMMenhas' (ligação à Estremadura, já que
Marco é natural das Caldas da Rainha, e às iniciais do seu nome) para
Foot Zero. Depressa reconheceu que a mudança fazia todo o sentido,
porque o novo nome fazia "uma ponte interessante com pegada zero ou
ecológica". Seguiu-se a criação de uma página no Facebook como montra
dos produtos e da marca. "A importância do Colab na Foot Zero foi mesmo a
divulgação, que passou a ser feita não por uma pessoa só, mas por
várias, incluindo a autarquia local, fazendo chegar a informação a
outros mercados que ainda não tinham sido alcançados", resume o artesão.
Ainda não conseguiu criar o seu posto de trabalho com o negócio, que
ainda é um projeto em part-time.
Agora
há outras iniciativas que pretendem replicar o modelo do Colab e que
estão ligadas a este projeto deÓbidos. Situam-se em Lisboa, Marvão,
Penela, Lagos e também na Finlândia. Estes grupos estão ligados através
de plataforma online, que serve para "partilhar o processo de
desenvolvimento dos projetos e ter pessoas de cada grupo a participar
ativamente em vários projetos. Alguns projetos têm membros de vários
grupos como coautores, mas a maioria usufrui da participação informal
[dos vários elementos desta rede]", refere Pedro Reis.
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