quarta-feira, 2 de março de 2016

Em Óbidos fervilha o empreendedorismo

 

Na vila medieval há um espaço colaborativo para empreendedores, que, além de trabalharem juntos, partilham ideias e permutam ajuda para lançar negócios e projeto.

 

Trabalhar em grupo num único espaço, em que há tertúlias para fazer nascer e dar corpo a novos negócios? A ideia está a ser posta em prática, há cerca de dois anos, em Óbidos.
As raízes de Pedro Reis, 38 anos, o impulsionador e elemento agregador do projeto, à Região Oeste ditaram o 'acaso' de o Colab ter arrancado ali. Podia muito bem ter sido na Finlândia. Mas a "sorte", como refere Pedro Reis, ditou que o início deste espaço de partilha e de negócio fosse em Portugal, mais precisamente na vila medieval deÓbidos, paredes meias com as muralhas, num edifício cedido pela autarquia local.

O conceito de espaços colaborativos, onde diferentes profissionais trabalham em grupo e se entreajudam, já não é totalmente estranho em Portugal (há várias experiências espalhadas pelo país). Em Óbidos, o projeto Colab reúne 15 colaboradores residentes e conta com a ajuda de dezenas de elementos externos. Ao todo, em dois anos, "temos mais de 50 projetos e centenas de pessoas que encontraram no Colab uma forma de tornar as suas ideias realidade", diz Pedro Reis.
Mas o que se faz afinal no Colab e porque é que é diferente? "É um sistema que promove a partilha de processos, incentiva a propriedade coletiva de ideias e cria as condições para as pessoas aprenderem umas com as outras", explica Pedro Reis. "O objetivo é criar o ambiente certo para tornar ideias em realidade através do poder da colaboração. Estamos a meio caminho entre o co-work e a incubadora."

A ideia do projeto deu-se numa geografia longínqua, a Finlândia. Pedro Reis viveu no país, onde, aliás, conheceu a sua mulher, e aí fundou, com outras pessoas, um grupo de investigação chamado Silo, que se debruçava sobre as questões do futuro do trabalho.

Desse grupo surge o projeto-piloto Colab, em Óbidos, com o apoio do município, que lhes cedeu as instalações, um edifício que foi requalificado com apoios comunitários (através do QREN), numa obra que custou 300 mil euros. A este prédio, onde fica a sala ampla onde os colaboradores residentes trabalham em open space, soma-se uma constelação de outros edifícios, onde estão alojados negócios de empreendedores do Colab, denominado Espaço Ó.

A proposta de alojar o projeto naquele edifício camarário foi feita ao anterior executivo autárquico, então liderado por Telmo Faria. A reunião que deveria ter demorado 30 minutos estendeu-se por quatro horas. No fim, venceu a proposta que os fundadores do Colab levavam: "Um projeto que permitisse à comunidade explorar aquele espaço."

Dois anos depois, o balanço é positivo. "Criámos o projeto-piloto em Óbidos, com o apoio do município, onde testámos o conceito com a comunidade local. Agora temos mais de 50 projetos, de centenas de pessoas, que encontraram no Colab uma forma de tornar as suas ideias realidade."

Ali coexistem artesãos, arquitetos, designers (o caso de Pedro Reis, que tem formação na área do desporto mas foi como designer, autodidata, que trabalhou quase sempre), escritores, agricultores, fotógrafos, artistas plásticos, uma 'hoteleira', entre membros residentes e os empreendedores que participam, sobretudo, nas reuniões semanais, que, além de promoverem brainstormings, servem para fazer o ponto de situação dos projetos que estão em andamento. Ao todo, estão ligadas ao Colab à volta de duas centenas de pessoas, adianta Pedro Reis.

No Espaço Ó há uma livraria/café, uma padaria com forno a lenha, um ateliê de artes plásticas e uma loja com vários produtos dos 'empresários' do Colab, como um kit para construir um candeeiro, que beneficiou da ajuda do grupo com uma nova imagem e marca, ou as rendas de bilros transformadas em acessórios de moda, como brincos e pulseiras, feitos pelas mãos de uma artesã com 79 anos. Há quem opte por 'residir' no espaço do Colab, em regime de partilha de espaço, e para isso paga 70 euros por mês, com direito a ocupar uma qualquer área de trabalho de que necessite para desenvolver os seus projetos, acesso à Internet e chave do edifício para fazer os horários que entender. Ser membro do Espaço Ó esporádico custa 10 euros mensais. E há, por exemplo, artesãos que só trabalham a troco de tarefas ou de produtos, ou seja, não há dinheiro envolvido nas transações, informa Pedro Reis. Além desta contribuição, os negócios instalados no Espaço Ó pagam também uma percentagem das suas vendas, de forma a colmatar as despesas e a ser possível continuar a investir nestas instalações.

A incubadora de empreendedores já gerou negócios que correm agora com vida própria e total independência do Colab, como é o caso dos bolos Capinha de Óbidos, que fizeram renascer uma receita com 130 anos, ou do Gelado da Terra, cujo negócio, sobretudo ao nível do marketing, beneficiou muito da experiência e ajuda colaborativa dos membros do Colab.

Um dos negócios mais recentes está a ser desenvolvido na casa do forno. O cheiro a pão fresco, feito com a ajuda e perícia de D. Regina, é o cartão-de-visita do JamonJamon, uma casa de tapas que nasceu da vontade de um jovem casal, o português André, 25 anos, e a espanhola Sol, 26 anos. Não têm mãos a medir, mas o trabalho não os assusta. Sol adora meter as mãos na massa e a D. Regina assevera que falta pouco para deixar a aprendiz por conta própria. André estu dou Gestão Hoteleira e Sol fez Marketing e Publicidade. Conheceram-se em Leiria, por causa do programa de intercâmbio de estudantes Erasmus, que trouxe a espanhola até Portugal. Estavam sem dinheiro e a perder a esperança quando surgiu a oportunidade de se instalarem no Espaço Ó e lançarem o negócio próprio com que sonhavam. "Está a correr bem", diz Sol, apesar das muitas horas diárias de trabalho contínuo.

Já Helena Paulo, 52 anos, ganhou não só um novo negócio como outra esperança. A florista explorava uma residencial, junto à loja de flores, e o negócio do alojamento estava a decair. Com dois filhos, sentia-se sem saídas. O Colab ajudou-a a transformar o negócio num renovado hostel, onde, com um investimento muito reduzido, deu a volta aos quartos, que ganharam beliches e cores claras. 

Até o filho mais novo, que não se interessava pelo negócio, está lá a ajudá-la no Hostel Casa do Arco. Revê-se no conceito e no tipo de clientes, sobretudo estrangeiros e jovens como ele, comenta a mãe. O anúncio e recomendações no TripAdvisor já lhe trouxe hóspedes de diferentes geografias, como Alemanha, Inglaterra e até Japão.
Tiago Miranda
Reuniões semanais
 
André, Sol e Helena são três dos membros que participam nas reuniões semanais do Colab. O ambiente informal domina estes momentos de partilha. O objetivo é não só tomar o pulso aos projetos que estão em desenvolvimento como lançar novas ideias. E arranjar soluções, entre todos, para melhorar cada um dos negócios. Há vários grupos que se juntam para diferentes projetos, com elementos que se desdobram para dar resposta a várias solicitações. Os membros do Colab não recebem salário, esclarece Pedro Reis: "Pretendemos que nunca o haja, em vez disso pagamos em tarefas (horas despendidas), de forma a manter o espírito de participação e uma estrutura mais simples." Porém, Pedro admite que isso possa ter de mudar. "Durante a fase inicial, no primeiro ano, utilizei o Colab para participar em projetos com os quais lucrava e pagava as contas. Com o crescimento do Colab, já não tenho tempo para trabalhar em projetos extra, que me permitam retirar rendimento, e por essa razão estamos numa fase de desenvolvimento, para conseguir trabalhar a tempo inteiro para o Colab e ser pago por essas tarefas", adianta. Pedro é casado com a finlandesa Riikka (que também tem projetos no Colab) e têm quatro filhos pequenos, cuja educação é assegurada pelos pais (em home schooling, ou escola em casa, que é permitido em Portugal) e que os acompanham nas tarefas diárias no Colab.

Inês Fouto, 35 anos, é outra das empreendedoras que faz parte da equipa do Colab. Licenciada em Teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, fez também Engenharia do Ambiente na Universidade Nova. Desenvolveu um kit portátil de teatro que permite encenar uma peça em qualquer lado. A Mala de Cenas, como o nome indica, consiste numa mala com vários acessórios, como fantoches, livros ou figuras de sombra.

No Colab conseguiu recursos financeiros e teve a ajuda de vários artistas para desenvolver o produto, desde a pintura à cerâmica, aos figurinos, escrita do guião de teatro para fantoches, design gráfico e marca do produto. "Sem estes recursos levaria muito mais tempo para conceber a Mala de Cenas e teria de ter dinheiro para o fazer", refere Inês, acrescentando que "esta promoção do encontro entre pessoas é muito importante, pois, por vezes, sozinhos torna-se mais difícil desenvolver projetos, quer em termos de motivação, quer em termos práticos de financiamento e de sustentabilidade". A Mala de Cenas está à venda na loja do Espaço Ó e a atriz e empreendedora também apostou na venda online de todos os produtos da Cenas Teatro e Companhia.

O artesão Marco Machado, 44 anos, é outro empreendedor que foi ajudado pelo Colab. Fez formação profissional de corte manual e industrial de calçado e herdou do pai e avô o gosto pela arte de sapateiro. Ficou desempregado em 2013 e decidiu fazer sapatos artesanais e ecológicos. Em Óbidos aconselham-no a mudar o nome do projeto o que não foi "muito pacífico", recorda, de 'estreMMenhas' (ligação à Estremadura, já que Marco é natural das Caldas da Rainha, e às iniciais do seu nome) para Foot Zero. Depressa reconheceu que a mudança fazia todo o sentido, porque o novo nome fazia "uma ponte interessante com pegada zero ou ecológica". Seguiu-se a criação de uma página no Facebook como montra dos produtos e da marca. "A importância do Colab na Foot Zero foi mesmo a divulgação, que passou a ser feita não por uma pessoa só, mas por várias, incluindo a autarquia local, fazendo chegar a informação a outros mercados que ainda não tinham sido alcançados", resume o artesão. Ainda não conseguiu criar o seu posto de trabalho com o negócio, que ainda é um projeto em part-time.

Agora há outras iniciativas que pretendem replicar o modelo do Colab e que estão ligadas a este projeto deÓbidos. Situam-se em Lisboa, Marvão, Penela, Lagos e também na Finlândia. Estes grupos estão ligados através de plataforma online, que serve para "partilhar o processo de desenvolvimento dos projetos e ter pessoas de cada grupo a participar ativamente em vários projetos. Alguns projetos têm membros de vários grupos como coautores, mas a maioria usufrui da participação informal [dos vários elementos desta rede]", refere Pedro Reis.

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